quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Viktor Frankl: O Super Sentido




Esse sentido último necessariamente excede e ultrapassa a capacidade intelectual finita do ser humano; na logoterapia falamos neste contexto de um super-sentido. O que se requer da pessoa não é aquilo que alguns filósofos existenciais ensinam, ou seja, suportar a falta de sentido da vida; o que se propõe é, antes, suportar a incapacidade de captar em termos racionais o fato, de que a vida tem um sentido incondicional. O logos é mais profundo que a lógica.
Um psiquiatra que vai além do conceito do super-sentido mais cedo ou mais tarde acabará embaraçado por seus pacientes, como se deu comigo quando minha filha de seis anos me perguntou: "Por que dizemos que o Senhor é bom?" Eu repliquei: "Faz algumas semanas você teve sarampo, e então o Senhor, em sua bondade, fez você sarar completamente." Mas a pequena não se deu por satisfeita e retrucou: "Ora, pai, não esqueça que foi ele que me fez pegar o sarampo!"
No entanto, quando o paciente está sobre o chão firme da fé religiosa, não se pode objetar ao uso do efeito terapêutico das suas convicções religiosas e, assim, ao aproveitamento de seus recursos espirituais. Para esse fim o psiquiatra pode colocar-se no lugar do paciente. É exatamente isto que eu fiz certa vez, por exemplo, quando um rabi da Europa oriental veio ter comigo e me contou sua história. Ele tinha perdido sua primeira esposa e seus seis filhos no campo de concentração de Auschwitz, onde foram mortos na câmara de gás, e agora se evidenciou que sua segunda mulher era estéril. Observei que a procriação não é o único sentido da vida, pois neste caso a vida em si perderia o sentido, e algo que em si mesmo não tem sentido não pode ganhar sentido simplesmente através de sua direta ação. Entretanto o rabi encarava a sua sorte como um judeu ortodoxo, ou seja, no desespero de não ter um filho que pudesse pronunciar o Kaddish (Oração pelos mortos) para ele, depois de sua morte.
Não desisti. Fiz uma última tentativa de ajudá-lo perguntando se ele não esperava ver os seus filhos novamente no céu. Minha pergunta, entretanto, desencadeou uma torrente de lágrimas, e agora sim veio à tona o verdadeiro motivo de seu desespero; explicou ele que seus filhos, uma vez que morreram como mártires inocentes, mereceriam o mais elevado lugar no céu; mas ele mesmo, um velho pecador, não podia esperar receber o mesmo lugar. Ainda não desisti e retruquei: "Não se poderia conceber, rabi, que foi justamente este o sentido de o senhor sobreviver a seus filhos, para que fosse purificado por estes anos de sofrimento, de modo que também o senhor, embora não inocente como seus filhos, possa, afinal, tornar-se digno de juntar-se a eles no céu? Não está escrito nos Salmos que Deus guarda todas as suas lágrimas? Assim talvez nenhum de seus sofrimentos tenha sido em vão." Pela primeira vez em muitos anos ele se sentiu aliviado do seu sofrimento, pela nova perspectiva que lhe pude abrir.

Viktor Frankl, no livro Em Busca de Sentido

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