segunda-feira, 20 de junho de 2016

Fratria, poema de Jorge Wanderley

Bruegel, The Land of Cockayne

Fratria

Ontem na rua, eu os vi, amontoados,
e casuais, nos trapos, na fuligem
que invadia suas peles e nas úlceras
e curativos e nos lábios rotos
por socos e escorbuto; amontoados
e naturais, passando ora a garrafa
ora um pão seco e eram homens
e eram mulheres, que falavam,
que se entendiam,
e um deles mais que os outros
pontificava, e maximoso dava o tom
de uma filosofia já perdida
e mágica e infalível
a julgar pela voz com que falava.

Conversavam, os cinco ou seis, talvez,
indistinguíveis, todos, forma igual,
e iguais murmúrios e grunhidos.

Mas um deles
ergueu a cabeça e me encarou.

"Fui reconhecido", pensei comigo,
enquanto me afastava na direção da
multidão.

Ele me encarou como se perguntasse
"Que faz você aí, no meio dos limpos?
No meio dos brancos? No meio dos outros?"
E concluísse: "Você sabe que seu lugar é aqui."

Do livro O Agente Infiltrado (1999, Bertrand Brasil).

Um comentário:

  1. Pois é...
    Eu me vi assim, e o olhar deles me dizia:
    - O que você faz aqui? Você não é um de nós!

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