quinta-feira, 13 de julho de 2017

HÉRCULES, conto de Eduardo Klock Frank


A gravidez foi perfeita, sem enjoos e desejos. De parto normal, com peso e altura ideais: isto é, 3 kg e 50 centímetros. Hércules não chorou, mas sorriu ao vir ao mundo. De faces rosadas e perfeitas. Mamou durante 6 meses. Quando parou de mamar, não precisou de bico. Era uma criança tranquila, não dava trabalho algum. Até para trocar fraldas não havia problemas. Dormia nas horas certas, e não acordava na madrugada. Incrivelmente, nunca pegou gripe, resfriado, cachumba, catapora, sarampo. Nem alergia que fosse. Logo aprendeu a engatinhar, para depois caminhar. Começou falar impressionantemente cedo, aos 4 meses de idade. Quando falou pela primeira vez, formou uma frase com as palavras “família”, “carinho”, “mamãe”, “papai” e o verb amar. Usou a conjugação verbal certa.
Todos gostavam de Hércules Era uma unanimidade. Foi só entrar na creche, para fazer muitos amigos. As professoras também admiravam-se da inteligência e afeto do menino. Tratava bem a todos. Todos o amavam. As crianças brincavam e brincavam. Nenhuma reclamação havia de Hércules. Também, nunca se esfolou na creche, nem precisou ir ao hospital.
Os parentes - todos - ficavam alegres com Hércules. O presenteavam todo natal, páscoa, aniversário e dia da criança. E ele gostava de todos presentes. Nunca reclamava, e os retribuía com um largo sorriso no rosto. Aliás, a família de Hércules ficou e paz quando ele nasceu. As brigas acabaram, magicamente. Todos voltaram a se falar, e a visitar vovô e vovó quando podiam. Ninguém mais falava mal de ninguém.
Os primos… Os primos só se davam bem com Hércules. Não importava a idade. Dividiam os brinquedos uns com os outros. Corriam de um lado para o outro. Conversavam e conversavam, e sempre queriam ficar juntos. Com Hércules, todos também começaram a se comportar bem. Comiam direito, sem bagunça. Só faziam também o que os pais deixavam, e cumpriam todas as ordens.
Hércules não se intrometia em assuntos alheios, muito menos de adultos. Também, entendia tudo que lhe falavam e ensinavam. Não tinha medo do escuro, nunca fez xixi na cama. Dormia no horário, como também realizava as refeições. Comia toda comida que mamãe preparava, ou seja lá o que for. Não fazia birra, nem na sua casa, nem nas dos outros.
Seus pais até se preocuparam quando colocaram Hércules no colégio. Ele amava os colegas de creche tanto, que pensaram se suportaria ficar longe. Para sua surpresa, ou talvez nem tanto, ele se enturmou muito bem. Já tinha virado o líder da turma, e o melhor aluno. Só tirava nota máxima. A turma, na sua liderança, se amava. E todos se tratavam bem. Não se ofendiam, não faziam troça dos outros, ninguém era excluído, ninguém brigava, e nenhum palavrão era dito. Ninguém sofreu bullying.
Durante o colégio, se revelou um garoto prodígio, nos estudos, nas artes e nos esportes.  Dava aula a seus colegas; e às vezes, dava umas surpresas aos professores. Foi transferido. Com oito anos, já colecionava medalhas. Em natação, atletismo, futebol, volêi e basquete. Medalhas de ouro. Era multitalentoso nos estudos, brilhante em todas disciplinas, sejam exatas ou humanas. Aos 12 anos, já escrevera seu primeiro livro.  Aos 14, já era ator profissional. Aos 15 anos, comprovou teorias físicas, e contribuiu à sociedade com novos inventos de catalisadores químicos. Aos 18 anos, já tinha um milhão de dólares. Passou no vestibular federal para medicina, porém tirou também primeiro lugar em Direito numa faculdade privada, conseguindo bolsa. Depois de formado, decidiu fazer uma graduação em informática, e uma pós em biotecnologia. Estava fadado ao sucesso.
Ninguém invejava Hércules, todos o amavam, só fazia amigos por onde passava. Todos o convidavam para festas, e tinha que recusar inúmeros convites. Não tinha inimigos. Onde ia, as portas se abriam. Não teve decepções amorosas, também. Nunca sofreu, é claro, não teve angústias, medos, terrores, falhas ou ansiedade. Formou família, com sua esposa e dois filhos. Sua mulher era linda, simpática, inteligente, discreta e atraente. Seus filhos, tão sensacionais quanto o pai. Não teve crises conjugais, ou com seus filhos. Nenhuma briga ou problema. Nunca faltou dinheiro também. Sempre felizes.
Abriu uma ONG. Foi candidato a deputado federal e venceu; E desde então, o país se moralizou. Além do mais, era absolutamente letrado a respeito dos mais diversos assuntos religiosos, tendo diálogo pacífico com todas as crenças. Não se opunha a nenhuma, bem pelo contrário. nUnca constrangeu quem quer que fosse. Aceitava opiniões contrárias, e não forçava ninguém às suas opiniões, que todos aceitavam pacífica e favoravelmente.
Até que, enfim, chegou a crise dos quarenta anos. Hércules se angustiou, se viu e descobriu como uma ficção. Perguntava se ele delirava de si mesmo, ou os outros dele. Ou ambos. Hércules, definitivamente, não suportou. Questionou o que faltava fazer. Que história lhe restava. Seu mundo caiu, despedaçou, diante da angústia.  Se despersonalizou. Se viu, viu ser um personagem de um conto; e terminou num ponto final.

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